Internalização da soberania alimentar: desafios do MST em construir caminhos alternativos

Autores

  • Andre Luiz de Souza Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS
  • Sergio Schneider Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS

DOI:

https://doi.org/10.25059/2527-2594/retratosdeassentamentos/2022.v25i2.497

Palavras-chave:

La Via Campesina. Agricultores Assentados. Agroecologia. Reforma Agrária.

Resumo

Nas últimas décadas, vários movimentos sociais do campo ligado à La Via Campesina têm internalizado em seus princípios novos valores com base na soberania alimentar/Agroecologia, com vistas à construção de novas práticas alimentares. Dentro dessa conjuntura, esta pesquisa objetivou analisar como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os assentados/agricultores assimilam, interiorizam e praticam o entendimento sobre soberania alimentar. O estudo tem abordagem qualitativa, envolvendo revisão teórica referente aos aspectos e fundamentos históricos do conceito de soberania alimentar, juntamente com análise dos documentos produzidos pelo MST e da realização de entrevistas semiestruturadas com 10 assentados da região Oeste do Paraná. Com base no corpus selecionado, concluímos que, mesmo o MST sendo o protagonista no debate sobre a necessidade de mudança no modo de produção das práticas alimentares voltado para uma agricultura agroecológica e para a soberania alimentar, isso não tem tido efeito para transformar a matriz de produção nas unidades familiares dos assentamentos. Constatamos esse fato nas palavras dos próprios assentados/agricultores, os quais, embora tenham demonstrado assimilar o conceito/a noção de soberania alimentar pela ótica do MST, efetivamente não a praticam. Sabemos que essa mudança de paradigma não cabe somente ao MST, mas inclui a participação do Estado e de vários setores da sociedade para que mudanças efetivas ocorram nos espaços de assentamento, com vistas à efetivação da soberania alimentar e de práticas agroecológicas.

Biografia do Autor

Andre Luiz de Souza, Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS

Sociólogo, especialista em Agroecologia e doutorando em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Integrante GEPAD: www.ufrgs.br/agrifood 

Sergio Schneider, Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS

É Professor Titular do Departamento de Sociologia e membro permanente dos Programas de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (www.ufrgs.br/pgdr) e de Sociologia (www.ufrgs.br/ppgs) da UFRGS. Pós-doutor na City University of London com o Prof. Tim Lang (2015-2016 e no Institut of City and Regional Planning, na Cardiff University/Wales/UK, com Terry Marsden (2007-2008). Concluiu o Doutorado em Sociologia (UFRGS/Université Paris X) em 1999, o Mestrado em Sociologia (UNICAMP) em 1994 e a Graduação em Ciências Sociais (UFRGS) em 1990. É Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq desde 2003. Atual Vice Presidente da ALASRU (Associação Latinoamericana de Sociologia Rural). Coordena o grupo de pesquisa GEPAD, credenciado pelo CNPq. Leciona as disciplinas de sociologia da ruralidade, do desenvolvimento e políticas de desenvolvimento rural na graduação e teorias do desenvolvimento, agricultura familiar e sociologia da alimentação na pós-graduação. Pesquisa nas áreas de sociologia rural, da alimentação e do desenvolvimento, tendo como temas a agricultura familiar, análise de processos de diferenciação social e econômica no meio rural, políticas públicas e o papel do Estado, cadeias alimentares curtas, políticas de abastecimento e sistemas agroalimentares.

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Publicado

2022-08-01

Como Citar

Souza, A. L. de, & Schneider, S. . (2022). Internalização da soberania alimentar: desafios do MST em construir caminhos alternativos. Retratos De Assentamentos, 25(2), 266-299. https://doi.org/10.25059/2527-2594/retratosdeassentamentos/2022.v25i2.497

Edição

Seção

Artigos Originais